quinta-feira, 26 de março de 2015

VIVE AGORA NO REINO DA MEMÓRIA

Lisboa, 20 de Julho de 2014, dia do 100º Aniversário. Foto de Luís Guerra

Fernando Vieira de Sá nasceu em 1914, em Lisboa, no dia 20 de Julho. Partiu na manhã do dia 15 de Março de 2015. Nesse mesmo dia, por razões de ordem pessoal, aterrava eu em Paris, onde uma mensagem telefónica me levou a notícia deste seu derradeiro voo. Dado de imediato o abraço solidário ao seu filho José Manuel e, através dele, a toda a Família Vieira de Sá, só hoje consigo alinhavar algumas breves palavras, que aqui vos deixo, no blogue criado para divulgar a sua vida e a sua obra e onde se manteve, enquanto quis e pôde, activamente interveniente.

Nos últimos tempos, quando o visitava, as nossas conversas passavam muito pelos temas da vida, da velhice, da solidão, da sensação estranha que é viver-se num mundo em contramão. 

Ao recorrente “Que bom ter 100 anos!” com que o brindavam, respondia com a sua fina ironia: “Que experiência tem você disso? Quando chegar à minha idade, venha ter comigo e então falamos!”

Conhecemo-nos nas Edições Cosmos onde, nos anos noventa do século passado, trabalhei como coordenador editorial. Aí editámos o seu O Reino da Estupidez nos Caminhos da Fome – Memória de tempos difíceis (Julho de 1996), com Prefácio de Eduardo Moradas Ferreira. Sim, na mesma Cosmos em que se estreou como autor das obras O Leite na Alimentação Humana (Maio de 1945) e Os Derivados do Leite na Alimentação e na Indústria (Junho de 1945), na célebre «Biblioteca Cosmos» de Bento de Jesus Caraça. O volume Biblioteca Cosmos – Um projecto cultural do Prof. Bento de Jesus Caraça, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian em Novembro de 2001, deu-o (p. 21) como tendo falecido em 1979. O que ele ironizou e riu (rimos) com este facto! As «provas de vida», muitas delas, ainda estavam para vir.

Haveríamos de editar, agora com a chancela da Moinho de Papel (minha e da Maria de Lurdes, minha companheira de vida e sua muito amiga e admiradora), os livros de memórias Cartas na Mesa – Recordando Bento de Jesus Caraça e a «Biblioteca Cosmos» (Abril de 2004), com Prefácio de Manuel Machado Sá Marques, Viagem ao Correr da Pena (Dezembro de 2004), com Apresentação de Urbano Tavares Rodrigues, Ecos do México – Da História e da Memória (Outubro de 2005), com Prefácio de Miguel Urbano Rodrigues, e Autópsia a um Departamento Científico do Estado – Livro Branco do Departamento de Tecnologia das Indústrias Alimentares, com Apresentação de Eugénio Rosa. Este último, veio a lume no 1º de Maio de 2008 e abre com uma bem expressiva dedicatória: «Dedico este trabalho de selecção documental e de crítica de processos a todos os servidores da Função Pública, independentemente de categorias, vínculo ao Estado ou precariedade de funções. Fraternalmente, Fernando Vieira de Sá».

Mas o mais importante destes nossos caminhos cruzados foi a sólida amizade que construímos (no início ainda com a presença serena da Maria Elvira, sua companheira de muitos anos de vida a dois), partilhada com a Maria de Lurdes, com os nossos três filhos e, mais recentemente, com a minha mãe. Sentíamo-lo como um membro da nossa família. Mostrou-nos muitas vezes que esse sentimento era, nele, recíproco e muito profundo. Foi um enorme privilégio tê-lo como Amigo.

Nasceu em 1914, atravessou o século XX das Guerras e das Utopias, correu mundo ao serviço da FAO, conheceu variadas gentes e culturas, entrou decididamente pelo século XXI dentro. Nunca se cansou de aprender, de intervir, de sonhar um mundo melhor e sem injustiças. 

Nunca ter medo, nunca vergar ou viver de cócoras, viver sempre de cabeça levantada eram as suas divisas. 

Deixa-nos uma obra e um valiosíssimo exemplo de vida.

Vive agora no reino da memória.

Luís Guerra
26 de Março de 2015

1 comentário:

Manuel disse...

Ficou referido no meu blogue ~ http://manuel-bernardinomachado.blogspot.pt/2015/03/blog-post_17.html#links o afecto que me ligava ao Fernando e Vieira de Sá e a saudade que nos deixa !