sábado, 31 de outubro de 2009

TEMPOS PASSADOS QUE PARECEM DE HOJE - ATÉ HÁ POETA!

Entre os papéis do seu arquivo pessoal, Fernando Vieira de Sá encontrou e entregou-nos para publicação no blogue uns versos de José Régio, de 1959, que reflectem preocupações que atravessam os tempos e ainda hoje mantêm a sua actualidade. O título deste post é de FVS e, como é hábito, revela o seu extraordinário e rico sentido de humor.
Sátira ao prometido aumento de vencimentos em Janeiro de 1959

Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento,
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos, - só! - por seu ofício,
Receber, a bem dele... e da nação.

Em 1969 no dia de uma reunião de antigos alunos, assino este soneto

José Régio

sábado, 17 de outubro de 2009

CONCEITOS ETERNOS QUE VALE A PENA RECORDAR

Aqui deixamos hoje, também 17 de Outubro, este recorte que Vieira de Sá nos entregou para publicação no seu blogue, acompanhado de uma pequena e elucidativa nota: «Este cai como "sopa no mel".» Reproduzimo-lo tal como nos chegou:

«NESTA FARSA HA TODAVIA UMA
MORALIDADE. VEJA-SE COMO O
MUNDO SE ACHA EM CARNE VIVA,
E QUÃO DÉBIL É A ATADURA
ENTRE UM GOVERNO ABSOLUTO
E O SEU POVO! UM FOGUETE
DADO A DESHORAS PODE TALVEZ
DECIDIR A SORTE DE PORTUGAL»
Almeida Garrett, «O Palinuro», Jornal do Exílio, Londres 17 de Outubro de 1830

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

ENCONTRO EM MANTELÃES COM UM GRANDE VULTO DA REPÚBLICA

«O estudo sobre "O Queijo Nacional de Tipo Holandês", em colaboração com Eugénio Tropa, mais tarde professor catedrático, levou-me um dia a Paredes de Coura onde, segundo vagas informações, foram feitas as primeiras tentativas para fabricar (ou imitar) o queijo holandês, que se importava em grandes quantidades da Holanda, chamando-lhe "queijo flamengo".
[...]
Por volta das duas da tarde estávamos batendo à porta do palacete de Mantelães onde Bernardino Machado vivia. Eu não queria acreditar que dentro de momentos iria ser apresentado a uma figura mítica que para mim se agigantava de tal modo que me parecia impossível enfrentá-la sem uma emoção incontida, descambando em frivolidade de gestos e palavras, caindo numa bajulação que só traria e levaria a uma situação que eu queria que transparecesse respeitosa e admirativa mas não aduladora.
[...]
E a propósito dos estudos que me ocupavam, a pouco e pouco embrenha-se na floresta da história de que ele próprio era obreiro de primeira fila. Não sei como o tempo se sumiu em toda aquela tarde onde me deu a sensação de estar lendo uma História de Portugal Contemporâneo, em que os protagonistas me aparecem em carne viva e os factos me dão a expressão de qualquer coisa humana em tempo real, pela alma que emanava da progenitura intelectual do estadista ali vitalizando o momento. Podia aqui reproduzir quase ipsis verbis essa interminável conversa em que Bernardino Machado, quase sempre de pé e passeando ao longo do salão onde estávamos, gesticulando e dirigindo-me a palavra fazendo-me entrar no assunto como sendo eu hodierno dos factos, querendo com isso provocar a crítica que ele não dispensava. [...] Uma conversa criativa e transmigrante no tempo. Por isso inesquecível.»

Ler mais em Fernando Vieira de Sá, Cartas na Mesa - Recordando Bento de Jesus Caraça e a «Biblioteca Cosmos», pp. 135-138.
As gravuras acima, do palacete e da antiga Fábrica de Lacticínios (1879) de Mantelães - Paredes de Coura, pertencem ao blogue «Bernardino Machado», criado e animado pelo nosso querido Amigo Dr. Manuel Sá-Marques, neto do «vulto da República» que aqui homenageamos na passagem dos 99 anos do 5 de Outubro de 1910.