domingo, 30 de novembro de 2008

O DRAMA DAS PME - POR DETRÁS DO PANO DE FERRO

Sob o título geral de «O DRAMA DAS PME», recebemos para publicação no blogue dois textos de Fernando Vieira de Sá. Deixamos aqui hoje o segundo, «POR DETRÁS DO PANO DE FERRO», com referências ao livro O Reino da Estupidez Nos Caminhos da Fome - Memória de tempos difíceis, editado em 1996 pelas Edições Cosmos.
Os economistas de vanguarda e de turno, ensopados em estatísticas e regras de três, assepticamente livres dos esporos de humanismo e da fome, reduzindo tudo a números, a unidades e percentagens, obcecados pelas leis da concorrência, naturalmente não tiram os olhos dos cálculos a que a frieza dos algarismos conduz, fazendo desses resultados pilares orientadores principais, necessários e suficientes no âmbito de uma contabilidade confiante e conselheirática, dentro de cujos parâmetros se pode manobrar, tendo como área de acção táctica e estratégica - para fins de rendimento e produtividade - a seara viva chamada Bolsa de Valores, onde se cultiva a imaginação, o segredo, a disponibilidade e, se possível, a espionagem para lograr os melhores resultados que exige olho vivo, destreza e isenção de preconceitos. Isto, quando se joga o risco. A verdade é que os financeiros e carrascos do dinheiro, estimulados pelos ventos de monção que sopram para dentro, e no desprezo por qualquer coisa que lhe pareça retrógrado, ultrapassado e improdutivo de qualquer avanço civilizador acompanhando a maré, dando como consequência a destruição sistemática de todo o tecido PME, desastre, não só para Portugal, como para toda a Europa, sendo responsável do desemprego crescente, devido à falência da pequena courela, donde saía a maior percentagem de géneros alimentícios, obrigando à importação de tudo quanto há vindo de todos os continentes. Por certa distorção mental e de vivência, ao referir-me a PME, tenho sempre a tendência a tomar como padrão as PME alimentares, pelo que, peço aos críticos, tenham esta nota em consideração, embora com todas as PME aconteça o mesmo, dentro dos seus âmbitos.
Portugal, hoje, é um país de serviços, um país dependente do estrangeiro, dos artigos mais básicos da alimentação com uma factura de pagamento ao exterior gravíssima.
Segundo o calendário político do país, que a TV se encarrega de informar das suas virtualidades, as PME surgem sempre como bandeira, o que não se ajusta às frequentes notícias saídas na imprensa nacional, com censuras aos governos pela sua falta de sensibilidade nessa questão de tão alta actualidade. Como exemplo, transcreve-se o seguinte texto, de Eva Cabral, retirado da secção de Economia do Diário de Notícias de 28-III-2007:
«Conselho Económico critica "falta de atenção" às PME - O Conselho Económico e Social (CES) critica a "falta de atenção dada às pequenas e médias empresas (PME)" pelo Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), o envelope financeiro das verbas que Portugal vai receber de Bruxelas entre 2007 e 2013.
Adriano Pimpão, relator deste parecer do CES, fez questão de frisar ontem, aos deputados da Comissão Parlamentar de Economia, que "se trata seguramente de um lapso" a falta de referências às PME por parte do QREN. Segundo o conselho, "muitos dos problemas estruturais que o país enfrenta só serão resolvidos com sucesso se houver por parte das pequenas e médias empresas uma capacidade empresarial acrescida nas áreas da gestão, da inovação de produtos e de processos pela via do investimento, da criação de empregos de qualidade e da produção de bens e serviços de maior valor acrescentado". O CES recomenda mesmo uma "rigorosa e transparente avaliação do custo-benefício dos grandes projectos" e recorda que no Programa Operacional de Valorização do Território estão incluídos os chamados grandes projectos, que representam mais de um terço do investimento previsto no QREN, quadro que globalmente está estimado em cerca de 44 mil milhões de euros. Bruto da Costa, presidente do CES, referiu, por seu lado, que Portugal tem "uma falta de enquadramento em matéria de estratégia de desenvolvimento". Citou, ainda, um estudo sobre o fenómeno da pobreza, que está a ultimar, e em que se concluiu que do universo de pobres existentes em Portugal um terço está empregado e outro terço é pensionista.»
Para não ir mais longe, basta recordar algumas linhas por mim escritas, já então mostrando certo cansaço de tantos bis. Foi isso, no meu livro O Reino da Estupidez nos Caminhos da Fome - Memória de tempos difíceis, Edições Cosmos, 1996, já lá vão doze anos, uma eternidade, mas o panorama, para não dizer igual, é péssimo, o desgaste e os problemas são cada vez mais indignantes. Neste livro muitas são as citações relacionadas com a situação, das quais, quase ao acaso, algumas aqui se reproduzem [cf. pp. 240-242]:
«É progressivamente crescente em todo o Mundo, e nomeadamente nos de tecnologia mais avançada e nos que empregam esforços mais concretos e racionais em prol do seu desenvolvimento económico e social, o funcionamento de estabelecimentos escolares de ciência e tecnologia de alimentos. Só nos Estados Unidos, e a título de mero exemplo, existem quarenta e sete Universidades onde o ensino da ciência e tecnologia de alimentos está institucionalizado, muitas dessas Universidades funcionando em estreita ligação com a indústria, para apoio técnico sistemático.
Portugal, pese à sua implantação europeia, não possui esse tipo de ensino sob uma forma curricular global. Tais matérias dispersam-se como manta de retalhos por várias escolas superiores, num verdadeiro bluff que não leva a lugar nenhum. Nem vale a pena escrever mais sobre esta miseranda realidade, à qual os respectivos professores parecem tão bem adaptados e conformados.
[...]
Há que reconhecer que toda a reconversão industrial da preparação e transformação de alimentos depende de que os seus quadros técnicos estejam à altura das responsabilidades. Não pode mais continuar-se a utilizar o improviso, autodidactismo, o amadorismo, em questões tão complexas.
[...]
2. Milhares de pequenas e médias empresas.
Outro ponto importante: a extrema pulverização da indústria, além da sua própria diversidade. Existem milhares de pequenas e médias empresas dispersas por todo o País, representando a ocupação e sustentáculo de muitos mais milhares de trabalhadores e respectivas famílias.
[...]
Estas empresas, individualmente, têm um significado económico pequeno, dir-se-á, mesmo, insignificante. Porém, em conjunto, elas assumem uma importância das mais significativas na economia portuguesa.
Sob o ponto de vista técnico, como é de prever, é extremamente precário, a todos os títulos, o seu parque industrial, ao que se alia uma técnica deficiente e empírica, que acarreta as consequências mais graves, quer em rentabilidade, quer em qualidade. Contudo, não se deve menosprezar certos produtos da indústria caseira (que, aliás, devem ser considerados num esquema diferente do da pequena e média empresa e que tem muito de positivo para a valorização regional e turística), pois essa participação constitui um verdadeiro alfobre de interesse para a economia doméstica, e, nomeadamente, agrícola.
3. Um apoio indispensável.
[..]
No entanto, é de esperar que o Estado venha a tomar uma participação directa em muitas dessas empresas, quer por ter forçosamente de as gerir por abandono ou desinteresse dos proprietários ou por ameaça de falência, a fim de garantir o emprego e a produção necessária ao consumo, quer intervindo directamente nos aspectos tecnológicos, dos quais depende a promoção da qualidade e a obtenção de melhores rendimentos. Em qualquer dos casos, o INII pode e deve desempenhar um papel de primordial relevo nesses processos, pois tem quadros com experiência que permitem a montagem imediata desses serviços com a dimensão que se tornar indispensável. Basta, para tanto, que lhe sejam facultados os meios humanos e materiais que permitam a esses quadros uma autêntica intervenção. Isto não significa de nenhum modo uma atitude de proteccionismo ou de paternalismo, que, além de tudo, são sentimentos incompatíveis com ambições de conquista de mercados externos, e com as investidas que possam surgir do exterior por forçadas penetrações das nossas fronteiras aduaneiras, derivadas de acordos internacionais a que Portugal se veja ligado.
Pode dizer-se que, no momento actual [anos noventa do século passado], o DTIA tem iniciadas intervenções do tipo das acima mencionadas, mas é evidente que essa participação terá de ser amplamente aumentada e completada com adequado apoio do sector económico em matéria de gestão» [No presente todo este apoio foi selvaticamente desmantelado. Hoje não há apoio técnico e científico às PME].
Fernando Vieira de Sá
23 de Novembro de 2008

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